De vez em quando, tenho contado alguns fatos curiosos, engraçados ou importantes da história do Flamengo.
Todos tirados do livro "100 anos de bola, raça e paixão", que escrevi com os companheiros Celso Júnior e Arturo Vaz.
Esta é sobre o nascimento da rivalidade com o Vasco.
Encarando o Vasco. Em 1922, o Flamengo manteve o time do ano anterior. O campeão do Centenário da Independência do Brasil foi o América, com
apenas um ponto de vantagem sobre a os rubro-negros. Antes do começo do campeonato, porém, foi
disputado mais uma vez o Torneio Início, que já se tornava tradição. Era uma
forma de apresentar as equipes que iriam disputar o campeonato e atrair a
atenção do público para o futebol.
E foi exatamente nesta competição, no dia 26
de março, que o Fla encarou o Vasco da Gama pela primeira vez. O Rubro-Negro
ganhou por 1 x 0, gol de Segreto. Além de vencer o Vasco, o Flamengo derrotou o
Fluminense e o América, ambos por 1 x 0, e o Andaraí por 2 x 0, conquistando mais
uma vez este torneio.
Em 1923, o fato mais marcante do
Flamengo foi ver nascer a grande rivalidade com o Vasco da Gama. Um dos motivos
foi que os clubes de futebol eram todos amadores e era terminantemente proibido
pagar a seus atletas, o que caracterizaria o profissionalismo. Portanto, os
jovens jogadores dos clubes cariocas tinham seus afazeres, principalmente com
os estudos, já que a grande maioria pertencia à famílias de posses. Também
passavam horas nos bares e restaurantes da cidade, sempre dormindo tarde.
Devido a isso, não podiam treinar intensamente ou ter tempo suficiente para se
dedicar somente ao esporte.
Os
comerciantes lusitanos perceberam que muitos daqueles que não eram de famílias
tradicionais e que viviam com certa dificuldade, passavam muito tempo jogando
futebol e possuíam, por isso, um porte atlético invejável e um excelente
preparo físico. Pois bem, começaram a recrutar esses jovens e pagavam uma
quantia em dinheiro para que treinassem. “Oficialmente” os jogadores vascaínos
eram simples empregados dos armazéns dos portugueses.
O Flamengo estreou no Campeonato Carioca
daquele ano exatamente contra o Vasco da Gama, no dia 19 de abril. Junqueira,
cobrando pênalti, abriu o placar para os flamenguistas, que dominaram o
primeiro tempo. Porém, como era de se esperar, o time caiu de produção no segundo
tempo e o Vasco, aproveitando-se do declínio físico do adversário, virou o jogo
para 3 x 1 com gols de Cecy aos 20 e 30 minutos e Negrito aos 37 minutos.
No dia 8 de julho, os cruzmaltinos,
enfrentariam o Flamengo. Por incrível que pareça, todos os torcedores dos
outros times vestiram a camisa do rubro-negra, para que o Vasco não viesse a
conquistar o campeonato invicto.
O Estádio das Laranjeiras recebeu
nesse dia um público recorde e existiam versões de que a polícia teve muito
trabalho para conter o ímpeto da galera e que bastava apenas um torcedor do
Vasco se levantar e gritar que era prontamente presenteado com uma pá de remo
na cabeça, que a torcida rubro-negra levara para o estádio. Aí a briga era
inevitável. Acontece que o jornal O Paiz
publicou uma entrevista com o delegado Aloysio Nava, que comandou a segurança
no estádio, onde ele dizia que foi tudo uma tranquilidade: “O jogo foi fértil
em ensinamentos de disciplina por parte dos litigantes, não houve um só
deslise, consequência natural da assistência, que se portou igualmente à
altura”.
O Flamengo formou com Iberê, Penaforte e
Telefone; Mamede, Seabra e Dino; Sidney Pullen, Candiota, Nonô, Junqueira e
Moderato. O time do Vasco foi escalado pelo técnico uruguaio Ramon Platero, com
Nélson, Leitão e Mingote; Nicolino, Claudionor e Artur; Paschoal, Torterolli,
Arlindo, Cecy e Negrito. O árbitro foi Carlito Rocha, que viria a ser
presidente do Botafogo.
Empurrado pela torcida, o Flamengo jogou como
se estivesse disputando uma final de campeonato, fazendo o primeiro gol com
Candiota aos 30 minutos. Três minutos depois, Nonô aumentou o placar. Já no
segundo tempo, Cecy descontou, aos 3 minutos. Mas os rubro-negros estavam
impossíveis. Junqueira marcou o terceiro aos 12 minutos e Arlindo diminuiu para
3 x 2 aos 36 minutos. Os últimos minutos foram de grande tensão, mas os raçudos
rubro-negros conseguiram impedir o gol de empate do Vasco, que acabaria sendo
campeão, com seis pontos à frente do Flamengo, segundo colocado. Mas não foi
invicto... Nonô sagrou-se o primeiro jogador flamenguista a ser artilheiro de
um Campeonato Carioca, com 17 gols.
Carnaval rubro-negro. Os torcedores do Rio de Janeiro festejaram o grande feito do Fla,
contra o que eles chamavam de “falta de ética desportiva” do Vasco. Mesmo
impondo um profissionalismo "por debaixo dos panos" e até
conquistando o campeonato, o time da colônia portuguesa viu o Flamengo ser mais
exaltado que ele.
No livro A
Nação, Marcel Pereira conta que a festa foi grande:
“Toda a cidade soube, sem rádio, sem nada, na
mesma hora, que o Flamengo tinha vencido. E como era o Flamengo, esperou-se
pelo carnaval rubro-negro. Estava tudo preparado. Organizou-se um cortejo de
automóveis enorme, mais de cem carros com bandeiras do Flamengo cobrindo os
capôs. As capotas arriadas, os jogadores sentados em cima, torcedores de pé nos
para-lamas. O itinerário era: Praia do Flamengo, Glória, Largo da Lapa, Avenida
Mem de Sá, Rua Evaristo da Veiga, Avenida Rio Branco, Praça da República, Rua
Visconde de Itaúna e Praça Onze, passando pela cervejaria Vitória, onde os
torcedores vascaínos gostavam de fazer suas comemorações. Durante toda a noite
o Flamengo festejou o triunfo. E, de madrugada, penduraram um tamanco de dois
metros e meio, roubado de uma tamancaria na Rua do Catete, na porta da sede do
Vasco, na Santa Luzia. Como se não bastasse, foram para a Glória e enfeitaram a
estátua de Pedro Álvares Cabral com colares, como de baianas, feitos de réstias
de cebola”.
Durante o campeonato, houve um fato
que ficou marcado na história do clube. Na partida disputada em 19 de agosto,
contra o São Cristóvão, o Flamengo vencia por 2 x 1, quando o goleiro Amado foi
violentamente atingido por um chute no abdômen. Sem condições de continuar na
partida, Amado deixou o gramado. Como não podiam ser realizadas substituições,
Dino, que atuava no meio de campo, foi para o gol e, com atuação destacada, não
deixou nenhuma bola entrar. Foi a primeira vez na história do clube que um
jogador da linha foi para o gol.
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