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terça-feira, 15 de outubro de 2013

CONTANDO HISTÓRIA...

De vez em quando, tenho contado alguns fatos curiosos, engraçados ou importantes da história do Flamengo.

Todos tirados do livro "100 anos de bola, raça e paixão", que escrevi com os companheiros Celso Júnior e Arturo Vaz.

Esta é sobre como os ex-atletas do Fluminense convenceram o Flamengo a criar um departamento de futebol e como o clube começou a ficar tão popular.


Saída honrosa. Ainda faltava uma partida para o campeonato de 1911 acabar e o compromisso do Fluminense seria contra o América. Paranhos, o zagueiro que serviu de pivô para a crise, ao ser escalado no lugar de Borgerth, pediu aos dissidentes que participassem do confronto. Com o idealismo dos atletas amadores, todos concordaram em honrar a camisa tricolor pela última vez e cumprir com mais esta missão. Menos Borgert, que estava afastado pela diretoria.
O América, que terminou o certame como vice-campeão, tinha em seus quadros atletas com a grandeza de Marcos Carneiro de Mendonça, que viria a se transferir para o Flu e acabaria sendo o primeiro goleiro da Seleção Brasileira, e o ótimo Belfort Duarte, até hoje venerado como símbolo de nobreza e lealdade em campo. Era um adversário complicado. A partida foi no dia 1º. de outubro, todos se dedicaram ao máximo e o Fluminense venceu por 2 a 0, com gols de Gallo e Paranhos.
O time das Laranjeiras foi campeão invicto, vencendo todas as seis partidas que disputou,  já que o Carioca foi disputado por apenas quatro equipes, em dois turnos e pontos corridos. Foram 21 gols a favor e apenas um contra. 
No dia 3 de outubro, Borgerth e seus companheiros entregaram ao Fluminense um ofício pedindo o desligamento do clube. Na reunião de diretoria, não houve consenso. O presidente Atahualpa Guimarães chegou a ficar indeciso na hora de dar o voto de minerva, até que Affonso Castro convenceu o mandatário tricolor de que “a saída destes atletas vai estabelecer, de modo definitivo, o princípio de autoridade em nossa agremiação”.
Era o que faltava para que os nove rapazes seguissem seu novo caminho. Dos titulares, ficaram no Flu apenas James Calvert e Oswaldo Gomes, que viria a se consagrar, em 1914, como o autor do primeiro gol da história da Seleção Brasileira.
           
O carismático. A luta de Alberto Borgerth, aos 19 anos de idade, e seus camaradas ainda não havia terminado. Teriam que vencer pelo menos mais um round: convencer o Flamengo a ter um time de futebol. Persuadir os “fortões do remo” não era tarefa fácil, sem falar que alguns conselheiros acreditavam que tudo não se passava de uma aventuda e que os rapazes fariam as pazes com o Fluminense e criariam um problema para o Flamengo. Seria preciso muita lábia. O futebol ainda era alvo de muita desconfiança, visto como um esporte nada masculino.
            Dia 8 de novembro de 1911. Assembleia no Flamengo. Autorizado pelo presidente Virgílio Leite de Oliveira e Silva, Borgerth tomou a palavra e sugeriu aos associados a criação de uma seção de futebol no clube. Com seu carisma, o jovem estudante de medicina desfilava suas razões: era o time campeão da cidade e era quase certo que a Liga Metropolitana de Sports Atléticos (LMSA) colocaria o Fla na primeira divisão, mesmo com o regulamento prevendo a segundona para as equipes estreantes.
            Apesar de sua eloquência e dos argumentos embasados os membros da assembleia não se convenceram de cara. Incomodava a eles o papo-furado de “futebol ser um esporte de pulinhos e de bailarinos, além de ter muito contato físico entre homens”.
            O presidente Virgílio Leite se convenceu, mas não poderia impor uma decisão. A assembleia era soberana, mas, apesar de uma primeira resposta negativa, viu-se que muitos passaram a considerar a possibilidade do Flamengo ter futebol. Ao deixar a reunião, o presidente se dirigiu a Borgerth: “Você está fazendo medicina, mas eu acho que darias um ótimo advogado”.
            Com toda a certeza, o assunto continuou se arrastando em conversas dentro do clube. De vez em quando, num canto ou outro, havia um burburinho. A ideia ia se solidificando aos poucos, até que numa reunião extraordinária, na noite de 24 de dezembro, finalmente foi aprovada a criação do de um Departamento de Esportes Terrestres e a direção foi entregue ao competente Borgerth.
            Mas... Sempre existe o “mas”... O pessoal do futebol tinha que atender a algumas condições impostas pelos remadores. Em primeiro lugar, deveriam se virar com recursos financeiros gerados pelo novo departamento. Se a experiência não desse certo, acabava-se com o futebol. E, finalmente, os jogadores não poderiam usar a mesma camisa e nem o escudo usado pelo remo. Foi quando criaram a camisa de quadrados pretos e vermelhos, logo apelidada de papagaio-de-vintém, porque se parecia com as pipas baratas que os moleques costumavam brincar nas ruas.
           
Junto e misturado com o povo. Conforme Borgerth havia profetizado, o time foi aceito na primeira divisão do Campeonato Carioca, inclusive com o voto a favor do Fluminense, que também se dispôs a ceder o estádio das Laranjeiras para que o Flamengo mandasse seus jogos, já que o regulamento também exigia que o clube tivesse um estádio. Tal atitude o deixou emocionado, ao receber a notícia do amigo Oswaldo Palhares: “Agora sinto ainda mais orgulho de um dia ter defendido as cores do Fluminense”.
            Mas, onde o time iria treinar, se o clube só tinha a sua garagem de barcos na Praia do Flamengo? O que parecia um problema, uma desvantagem, com o tempo mostraria o quanto esta falta de campo seria benéfica e um fator fundamental para o sucesso e a popularidade do Flamengo.
            Próximo à sede do clube, na Praia do Russel, o prefeito Bento Ribeiro mandou fazer um campo de futebol gramado e com balizas, para que a garotada da região pudesse se divertir. Bem, a meninada se divertida, sim, mas só até o final da tarde, quando apareciam, com chuteiras e roupas de treino, os jogadores do Flamengo, o mais novo time da primeira divisão carioca. Era hora dos petizes verem seus ídolos de perto.
            O escritor e economista Marcel Pereira, em seu livro “A Nação”, conseguiu explicar muito bem como funcionou esta aproximação:
            “A garotada acompanhava o time, apontando o Píndaro, o Baena, o Gallo, o Borgerth, o Gustavinho. Para Alberto Borgerth, ali estava a explicação de tudo. Assim, a falta de um campo fez o Flamengo misturar-se ao povo, aproximar-se dele. Os garotos, em busca de ídolos, iam ao encontro deles no campo do Russel. Podiam tocá-los, podiam devolver as bolas que iam fora. E haviam de contar em casa, na escola, que tinham conhecido o Nery, que tinham batido nas costas do Amarante, que tinham apertado a mão do Baiano.
            Para começar a entender como o Flamengo ganhou tamanha popularidade, deve-se ir fundo na análise do espírito que permeava o clube. O caso rubro-negro é uma daquelas excelentes metáforas da eterna batalha entre o velho e o novo, entre o status quo e o revolucionário. Um capítulo da história onde se encontram a voluntariedade da juventude e a inflexibilidade do velho, geralmente carregado em vícios. A inquietação do jovem choca-se com o medo que o tradicional tem das ideias novas e de suas possíveis consequências para a sua hegemonia. No Rio de Janeiro, o Fluminense nasceu como símbolo da aristocracia da República recém-proclamada; o Vasco representava o colonizador português: opressor, explorador, ditatorial. O Botafogo não se originou nem da aristocracia e muito menos da elite colonizadora, jamais ganhou grande popularidade. O espírito Flamengo era diferente, tinha uma alma vibrante, petulante e juvenil, que logo cativaria seguidas gerações”.

            Nessa época, o futebol já começava a competir com o Remo pelo interesse da população e da imprensa. Até porque, para se praticar o remo, era preciso ser sócio de um clube e isso não era possível para grande parte da população. Já bater uma pelada, qualquer um podia, desde que se improvisasse dois times, colocasse pedras no lugar do gol e algo que servisse de bola, geralmente feita de meias.

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